Era uma vez o amor...


A enorme xícara de café aninhada em suas mãos como um passarinho ferido lhe aquece novamente em mais uma manhã gélida. Seu olhar é distante e reflete a enxurrada de pensamentos que tem naquele momento. Tão cedo, nem bem abriu os olhos e já tinha que lidar com uma situação daquelas. Minha pressa em partir era inexplicável, mas tinha que sair dali, era urgente. Mal me vesti enquanto tentava a todo custo arranjar um justificativa para aquele comportamento, no mínimo, imbecil.
Tomado de assalto pela sensação de perda, pouco disse. Exceto quando me perguntou com olhos vidrados, se tinha certeza daquilo e que se partisse seria definitivo. Não respondi, acendi um cigarro e olhei pela última vez para seu reflexo no espelho do aparador onde ficavam as chaves, bem na saída do apartamento. O elevador estava no andar, pronto para poupar-nos de qualquer espera. Acompanho, hipnotizada, a contagem regressiva dos dez andares enquanto desço e, ao chegar ao térreo, recebo mais uma vez o olhar de reprovação do porteiro, já acostumado com nossas brigas. Em seguida, ao abrir o portão, penso em olhar para cima e roubar uma última imagem, ou quem sabe, receber uma gota de suas lágrimas como um solo ressequido por anos sem chuvas. Lêdo engano...
Após meses de fisioterapia e reabilitação ainda não recuperei os movimentos do lado esquerdo do corpo, tamanha a violência do impacto da xícara em minha cabeça. Recordo-me de um quase sorriso dele após o arremesso e de uma enorme gargalhada do porteiro.
Nada mais.