A minha menina com uma flor


Minha relação com Vinícius de Moraes sempre foi cheia de altos e baixos. Como não poderia deixar de ser para alguém da minha geração, meu primeiro contato com o poeta se deu através dos sonetos (de Fidelidade e de Separação, claro). Aos 12 anos eu era uma romântica daquelas à moda antiga, talvez eu nunca entenda bem o motivo. E a única coisa que tinha para oferecer aos meninos da minha idade era minha letra bonita. Passei então algumas tardes copiando caprichosamente versões dos sonetos para os carinhas da escola que faziam bater mais forte o meu coração - apenas dois ou três, afinal eu era uma romântica.
Mas o tempo passou e eu me divorciei do "poetinha". O apelido pejorativo dado a Vinícius passou a fazer todo o sentido para mim quando conheci a dureza de Augusto dos Anjos, a nostalgia melancólica de Manuel Bandeira e a genialidade esquizofrênica de Fernando Pessoa. Com o tempo, ler um soneto passou a ser como folhear um jornal muito velho. Abaixo a rima e a métrica, viva o concretismo sempre tão urbano!
Mas não devemos nos apegar aos livros, não é verdade? Não podemos vê-los como objetos colecionáveis simplesmente. A palavra não pode ficar aprisionada em uma estante. A crônica precisa ter asas e chegar ao maior número possível de pessoas. Tive a prova disso quando conheci, não faz muito, alguém que, além de adorar Vinícius de Moraes, traz em si toda a doçura e beleza que o poeta viu em suas tantas musas. Ela bem poderia ser a menina com uma flor da qual Vinícius fala. E este livro precisava ser dela.
Sempre tive um pouco de vergonha de presentear alguém com trechos de um livro assim, mas a emoção e a alegria dela ao receber o presente e todas as provas que ela já me deu da adoração pelo escritor só me fazem ter certeza de que não existem livros velhos e de que as palavras não envelhecem nunca. Sempre haverá uma menina com uma flor em algum lugar, pronta para receber algo que tenha sido escrito para ela.


Era uma vez o amor...


A enorme xícara de café aninhada em suas mãos como um passarinho ferido lhe aquece novamente em mais uma manhã gélida. Seu olhar é distante e reflete a enxurrada de pensamentos que tem naquele momento. Tão cedo, nem bem abriu os olhos e já tinha que lidar com uma situação daquelas. Minha pressa em partir era inexplicável, mas tinha que sair dali, era urgente. Mal me vesti enquanto tentava a todo custo arranjar um justificativa para aquele comportamento, no mínimo, imbecil.
Tomado de assalto pela sensação de perda, pouco disse. Exceto quando me perguntou com olhos vidrados, se tinha certeza daquilo e que se partisse seria definitivo. Não respondi, acendi um cigarro e olhei pela última vez para seu reflexo no espelho do aparador onde ficavam as chaves, bem na saída do apartamento. O elevador estava no andar, pronto para poupar-nos de qualquer espera. Acompanho, hipnotizada, a contagem regressiva dos dez andares enquanto desço e, ao chegar ao térreo, recebo mais uma vez o olhar de reprovação do porteiro, já acostumado com nossas brigas. Em seguida, ao abrir o portão, penso em olhar para cima e roubar uma última imagem, ou quem sabe, receber uma gota de suas lágrimas como um solo ressequido por anos sem chuvas. Lêdo engano...
Após meses de fisioterapia e reabilitação ainda não recuperei os movimentos do lado esquerdo do corpo, tamanha a violência do impacto da xícara em minha cabeça. Recordo-me de um quase sorriso dele após o arremesso e de uma enorme gargalhada do porteiro.
Nada mais.

Bons filmes


Todo mundo gosta de ver um bom filme. Ainda não conheci ninguém que não goste de uma tarde no cinema ou em casa mesmo assistindo uma porção de filmes que nem precisam ser lançamento porque os nostálgicos também fazem o maior sucesso.
O que quase todas essas pessoas concordam é que o filme tem que ser assistido com uma boa companhia ou pelo menos num clima agradável. O que eu quero dizer é que estar bem acompanhado é essencial pra tornar aquela história do filme uma coisa inesquecível. Ou, pelo menos, lembrar de outras coisas inesquecíveis quando assisti-lo novamente. O que quero dizer é que um bom filme só é um BOM FILME quando você assiste com a pessoa correta no momento correto. Namorado(a), amigos, situação de euforia, tristeza... Isso ninguém pode negar.
Assim, o filme passa a ser lembrado não mais como uma produção cinematográfica. Ele se torna um retrato das emoções que você no período em que o assistiu. Por exemplo, quando eu assisto “Crash – No Limite” eu lembro de quando eu tinha perto de mim uma amiga completamente doida e sempre pronta pra uma bela farra. Vimos o filme juntas e, pela primeira vez, eu a vi angustiada com alguma coisa. Aquele ícone de esbórnia e libertinagem estava realmente tocada pela história. Quando eu assisto “Procurando Nemo” eu lembro que a primeira vez que eu o vi era início de 2004, final da minha passagem pelo Ens. Médio, aprovação no vestibular e a sensação de dever cumprido que tomava conta de mim. Claro que cena nenhuma do filme me remete a isso, mas era o “cheiro” que eu sentia do mundo. Tem um milhão de outros filmes que me fazem lembrar de épocas especiais, frustrantes ou “bebidas até a última gota” e eu não vou dizer todos aqui.
Mas vem cá! Quais são seus filmes?

Bichinho Asqueroso!



Ontem, lá na rádio, durante o intervalo entre um informativo e outro, fui ao banheiro da Universidade. Como estamos no finzinho das férias, boa parte dos corredores ficam apagados a maior parte do dia. Naquela hora não era diferente. Me aproximei da porta do banheiro feminino e vi aquele bicho asqueroso perto de mim. Uma borboleta. É asqueroso sim! Não era uma daquelas borboletas bonitinhas e coloridas que costumam habitar jardins de cemitérios. Era uma coisa horrorosa, escura, tava mais pra mariposa do que borboleta.
Pois é... Deixemos de lado a asquerosidade do bicho. Na minha cabeça começou a martelar uma pergunta que pode mudar o curso da história e redefinir os rumos que o mundo está tomando. O que eu comecei a questionar é o seguinte: O que as borboletas comem? Vocês devem estar achando graça de uma indagação tão bobinha. Na verdade, mais parece uma daquelas perguntas de criança que ninguém consegue responder. Mas será que alguém aí consegue responder? Pólen, seiva, frutas, sementes, BigMac, Mega Trio BigBob?! O que é que elas comem, meu Deus?

A Descoberta do Mundo

Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo" (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.
Texto extraído do livro "A Descoberta do Mundo", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1999.
O Bolg estava meio "às moscas", mas para a felicidade geral da nação eu voltei.